As pesquisas sobre Síndrome de Down (SD) surgiram no século XIX, quando foi descrita em 1866, pelo médico inglês John Langdon Down, que deu origem ao nome do distúrbio. Naquela época o Dr. Down, expôs sua pesquisa, apontando para características presentes na SD, que situava as pessoas por ela afetadas, como sendo de uma outra raça. Somente no ano de 1959 a síndrome foi identificada pelo cientista francês Jerome Lejeune, juntamente com Turpin e Gautier, como uma anormalidade cromossômica pela presença da trissomia do cromossomo 21. Ou seja, há a presença de mais um cromossomo nas células, onde deveriam haver pares de cromossomos, observados no cromossomo 21. Isto pode ocorrer durante a formação do gameta ou do embrião, configurando-se como um acidente genético. Muito embora fosse dada maior ênfase ao surgimento destas ocorrências para casais com mais idade, observa-se também ocorrências com casais jovens.
A Síndrome de Down (SD), assim como outras ocorrências que afetam o desenvolvimento global da pessoa, traz consigo uma carga pesada de temores, desesperança e estresse para a família. Contudo, todos estes sentimentos, podem mudar quando diante de uma nova realidade, a família tem a oportunidade de repensar sua dinâmica.
O primeiro passo para isto começa no momento do diagnóstico, quando os exames confirmam a trissomia do cromossomo 21, sendo importante que o médico responsável, não abale a possibilidade da família lidar com esta mudança em sua vida. É preciso comunicar esta nova realidade, apresentando as possibilidades positivas que ela traz, onde a pessoa com SD é única, cada um apresenta potencialidades e dificuldades que serão descobertas após o nascimento da criança. Os desafios no seu desenvolvimento mudam de acordo com sua faixa etária, com o quanto os pais identificam suas limitações e agem para supera-las. Estas dificuldades podem estar presentes na forma de déficit intelectual, no desenvolvimento da fala, da motricidade, no autocuidado, nas atividades de vida diária. Observa-se que aos cinco anos, a criança que teve maior atenção ao seu desenvolvimento, já se mostra mais independente, mais autônoma.
Contudo, mesmo havendo na atualidade um bom nível de informações e profissionais de diversas formações, capacitados para atuar no desenvolvimento da criança com SD, não se pode negar o impacto que ela gera na família. Os pais já são impactados ao receber a notícia que terão um filho cujo o desenvolvimento exigirá uma dedicação acima do esperado, um amor à toda prova, e uma nova forma de convívio social, desenhado em parte por aquela pessoa singular, que como qualquer outra quer descobrir o mundo, mas em alguns momentos não conta com todos os recursos pessoais para isso, e exige mais das pessoas com quem convive. Tudo isso torna a vida, o dia-a-dia, mais intenso, às vezes tenso, cansativo, levando a família a um desgaste que pode afetar suas relações.
Esta jornada certamente começou antes da concepção, originado nas expectativas de um certo filho desejado, imaginado, que deveria responder a algumas lacunas que ficaram abertas ao longo da vida dos pais, que antes do nascimento já tem um nome para esta criança, sonhos sobre seu jeito de ser, brincadeiras, suas roupas, passeios que farão, e seu futuro.
Alguém tão esperado, que quando vem com uma outra aparência, com dificuldades que a princípio parecem frustrar todos os sonhos da família, certamente que “chega chegando”, “causando”, até que sua aceitação seja construída, e a família se recomponha dos seus medos, e retome o caminho, agora com novos sonhos.
Esse movimento tende a atingir em cheio os pais, independente da configuração familiar e frequentemente com mais intensidade, as mães ou quem ocupe este lugar, que cuidam, alimentam, zelam pelo sono, lidam com o choro, com uma certa “culpa”, por não compreender o que deu “errado”. Há muitas indagações na mulher que passam por pensamentos sobre seu óvulo, sua hereditariedade, o homem com quem concebeu este filho, e até seus débitos com o Criador. Da parte do homem, este pergunta-se se estava tudo certo com ele, com aquela com quem concebeu o filho, com sua descendência, seu “carma”. Muitas são as noites sem dormir, os suores noturnos, até o apaziguamento que se apresenta nas imagens de uma criança que também sorri, que também demanda amor, carinho, que é capaz de muitas respostas, de aprender, de ser e de conviver.
Assim como toda criança, este novo amor na família que chegou sem convite, pode com passar dos dias e anos de convívio a se tornar a grande atração dessa festa que é o convívio familiar, trazendo novos contornos ao relacionamento, realizando os novos sonhos recompostos, desde que os pais sejam capazes de superar suas próprias dificuldades e se unirem em torno da criação de seu filho, deixando-se apoiar pela gama de profissionais que podem ajuda-los (médico, psicólogo, pedagogo, nutricionista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta e outros).
Este movimento quanto mais cedo ocorrer, aumentará significativamente a possibilidade de desenvolvimento da criança com SD, seja no desenvolvimento da linguagem, psicomotor, nas atividades de vida diária e relações interpessoais. Observa-se contudo, que os pais, por vezes respondem com intensidade, à necessidade de desenvolvimento da criança com SD, tendendo a atitudes de mais orientação, na qual podem parecer mais como orientadores, sendo mais diretivas do que com filhos que não apresentem a SD. Com o tempo tendem a apresentar sinais de fadiga e estresse que vão mudando com a passar dos anos. Observa-se também, que no papel de pai, há com mais frequência uma participação ainda tímida em todo esse processo.
Assim, como em todo processo de criação dos filhos, a criação de uma criança com SD exige de cada um, doação, resiliência, um acelerado amadurecimento dos pais e uma vontade sem fim de seguir em frente, acalentado pelo amor presente naqueles que são capazes de se doar e levar seus propósitos até o fim.
Autor: Luiz Henrique da Silva Pimentel
psicólogo, gerente de desenvolvimento no CENSA Betim e
professor universitário.